ISBN: 972-8485-57-3
Autora: Arménio Guardado da Cruz
Nº de Páginas: 206
Formato: 15,5 X 23 cm
Editora: Formasau
Ano de edição: 2005
PREFÁCIO
Arménio Guardado Cruz é um amigo de longa data e foi por mim orientado em trabalhos de pós-graduação, nomeadamente na tese de doutoramento em “Desarrollo y Intervención Psicológica da Universidad de Extremadura”, Badajoz (Espanha), de que resultou esta obra com o título Cronótipo, exercício físico e sistema imunitário numa amostra de estudantes de enfermagem.
Como pessoa e como profissional (quer da enfermagem, quer da docência na Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo a Fonseca) não é necessário enaltecer as suas qualidades dado que são sobejamente reconhecidas.
Relativamente ao trabalho ora em apreço, representa o resultado de um esforço quase ciclópico, de elevado interesse tanto no domínio do avanço do conhecimento científico como no domínio da melhoria da qualidade dos serviços prestados à comunidade no que diz respeito à saúde e bem-estar.
A cronobiologia é uma ciência recente e muito difícil. Os ritmos biológicos, objecto de estudo da cronobiologia, influenciam a saúde, o rendimento e o bem-estar dos humanos ao longo de toda a extensão da vida (life span). Do ponto de vista cronobiológico, há humanos que se caracterizam por acordarem e se deitarem mais cedo que a maioria – as cotovias – e há os que acordam e se deitam mais tarde que a maioria – os mochos. A investigação experimental laboratorial e de campo tem revelado em que medida esta dimensão «matutinidade-vespertinidade» ou tipo diurno (um dos aspectos do cronotipo) influencia o rendimento e o bem-estar.
Assim sendo, uma questão se coloca de imediato: o rendimento variará em função do cruzamento do tipo diurno com os horários de prática de exercício físico?
Por outro lado, se o exercício físico tiver alguma influência na imunocompetência (aumento ou diminuição), será que o stress fisiológico resultante da incongruência entre o tipo diurno e o horário do exercício físico, bem como a sua tradução neuro-endócrina afectarão a eficiência imunitária?
Estas foram as questões fundamentais do presente trabalho. O recurso a estudantes de enfermagem como participantes é compreensível e justificável em virtude da actividade profissional do Doutor Arménio Cruz.
O método que escolheu para testar as suas hipóteses foi o mais adequado ao tipo de variáveis em estudo. Trata-se de um estudo quasi-experimental, uma vez que não foi possível garantir todas as exigências de um estudo experimental, nomeadamente o controlo efectivo de potenciais variáveis parasitas, bem como a selecção verdadeiramente aleatória dos participantes.
Por outro lado, e tendo em conta os objectivos do estudo e de que resultaram as limitações anteriormente mencionadas, foi um estudo quasi-experimental de campo. O tamanho da amostra e das sub-amostras pode ser visto como uma séria limitação. Contudo, dado que foi garantida a validades estatística do mesmo, o problema é sério apenas no que diz respeito à validade ecológica do estudo. Todavia, o autor não pretendeu generalizar os resultados à população dos estudantes de enfermagem.
É preferível efectuar um estudo quasi-experimental (evidência de Classe I) do que emitir meras opiniões (evidência de autoridade) ou estudos de opinião (apenas escalas e questionários para auto-avaliação). Com efeito, este estudo envolveu a utilização de kits de análises bioquímicas e dispositivos biométricos.
Sendo um estudo pioneiro, não foi fácil para o autor encontrar literatura que fundamentasse claramente as suas opções e a formulação das hipóteses. Apesar de tudo, de todos os receios no início, o Doutor Arménio Cruz avançou com o estudo e concluiu-o com êxito. Para tal foram importantes os contributos científicos e técnicos do Professor Doutor Santos Rosa, professor de imunologia da Faculdade de Medicina de Coimbra, a quem endereço as mais cordiais saudações académicas e agradecimentos pela excelente e constante orientação. Agradecemos também aos alunos que participaram no estudo.
Com todas estas dificuldades à partida o autor conseguiu efectuar uma revisão de literatura actualizadíssima, uma conceptualização do estudo bem fundamentada, uma análise adequada dos dados e uma discussão cuidada. Não é fácil articular informação de dados oriundos de áreas aparentemente tão distantes.
É nossa esperança que este trabalho seja o primeiro de muitos nestes fascinantes domínios da cronobiologia e imunologia.
Carlos Fernandes da Silva
Psicólogo Experimental
Professor Catedrático da Universidade de Aveiro
INTRODUÇÃO
O interesse pelos ciclos temporais da natureza existe há milhares de anos, e desde muito cedo o homem relacionou, embora duma forma empírica, a vida humana, dos animais e das plantas com os ciclos geofísicos (as estações do ano, a noite, o dia, as fases lunares, etc.). Filósofos e historiadores, passando por eclesiásticos e outros pensadores, tentaram ao longo da história perceber e explicar a dimensão temporal do universo. No entanto, foram as filosofias orientais e a medicina tradicional chinesa, embora sem demonstração científica, as primeiras a admitirem a existência de ritmos biológicos, nomeadamente, processos cíclicos do tempo, não lineares, simbolizados por uma oscilação pendular, isto é, um movimento helicoidal (Marques & Menna-Barreto, 1997).
Na Europa, apenas no século XVIII foram descritos pela primeira vez, fenómenos bioperiódicos (movimentos foliares das plantas, migração das aves, etc.). A dimensão temporal da organização da matéria viva continuou a interessar aos intelectuais de diversas disciplinas e ciências, e surgiu um novo ramo da Biologia, a Cronobiologia, que só em meados do século XX começou a ter reconhecimento do mundo académico e científico. O estudo dos ritmos biológicos tem aumentado exponencialmente nos últimos 30 anos por cientistas de diversas disciplinas (ex: matemática, física, biologia, química, medicina, psicologia, etc.), ao ponto de alguns investigadores considerarem mais adequado o termo “Cronociências” (Silva et al., 1996).
Actualmente, é consensual a existência de flutuação rítmica em funções biológicas, comportamentais e sociais. Essas flutuações podem apresentar períodos e frequências diferentes, sendo os ritmos circadianos (com cerca de 24 horas) os mais estudados, pois são ritmos estáveis e estão em fase com o ritmo ambiental dia/noite (claro/escuro).
Os ritmos biológicos dependem de factores endógenos e exógenos que se sincronizam entre si, mantendo um equilíbrio homeostático. Contudo, alguns ritmos são sincronizados pelos chamados relógios biológicos ou pacemakers, embora sempre influenciados por factores exógenos, os chamados sincronizadores ou zeitgebers (ciclo actividade-repouso, rotinas profissionais, hábitos de vida, etc.) (Silva et al., 1996).
Existe também um conjunto de diferenças individuais que pode modular as respostas do indivíduo perante alterações dos ritmos biológicos. É o caso da idade, a personalidade, as amplitudes rítmicas e aspectos do cronotipo, considerado como “o padrão individual de distribuição de parâmetros circadianos no nictómero, entendendo-se por nictómero toda e qualquer periodicidade equivalente ao ciclo dia-noite” (Martins, Azevedo & Silva, 1996). O cronotipo inclui o tipo circadiano, relacionado com a rigidez-flexibilidade dos hábitos de sono-vigília e a capacidade para vencer a sonolência (Azevedo et al., 1993; Silva, 1994), e o tipo diurno, relacionado com a localização nictemeral das acrofases. Isto é, há indivíduos que se deitam e levantam normalmente mais cedo, em que o seu desempenho é melhor no período matinal do dia, denominados matutinos, madrugadores ou cotovias, e os que se deitam e levantam normalmente mais tarde, em que o seu desempenho é melhor no período das tarde e noite do nictómero, denominados vespertinos, noctívagos ou mochos (Silva et al., 1996).
Embora actualmente se verifique um acumular de conhecimentos na área da cronobiologia, fruto de investigações realizadas em diversas áreas científicas, ainda existem aspectos por abordar de indubitável interesse científico. Este trabalho surge ao constatar-se que apesar de ser consensual a existência de expressão rítmica nas respostas ao exercício físico nos humanos, falta ainda determinar claramente quais os parâmetros imunitários afectados e se existe interacção ou não com a diferença individual matutinidade-vespertinidade e o horário de realização do referido exercício físico.
Um dos motivos que nos levou a realizar este estudo, agora apresentado neste livro, é o nosso percurso académico e profissional. O nosso interesse na área do exercício físico está presente desde a adolescência pois, por um lado, praticámos futebol até à fase adulta, sempre com cariz amador, e ao longo deste período desenvolvemos o gosto por outras modalidades desportivas (corrida, tenis, natação). Desde a suspensão da prática desportiva, por lesão, até ao momento actual, mantivemos essa ligação, embora apenas com o objectivo de manter a condição física e prevenir problemas de saúde.
Esta relação individual com o exercício físico tornou-se mais abrangente após a realização da licenciatura em enfermagem e da especialidade em enfermagem de reabilitação. De facto, ao longo do nosso percurso profissional fomos-nos apercebendo que não basta tratar a doença para que os cidadãos apresentem uma qualidade de vida melhor. A prevenção de doença e a manutenção do estado de saúde torna-se cada vez mais pertinente para essa qualidade de vida e a prática de exercício físico pode ter um papel fundamental a este nível. Em geral, o organismo beneficia com a prática de exercício físico, sendo o sistema imunitário um dos sistemas beneficiários, ao aumentar a sua competência na defesa do organismo contra agressores biológicos, na prevenção de doença oncológica, alérgica e autoimune.
Na sequência da realização do Mestrado em Saúde Ocupacional, ao desenvolvermos um estudo sobre o trabalho por turnos abriram-se as portas para uma nova área do saber: a cronobiologia. Desde esse período que continuámos a investir nessa área e, actualmente, mantemos persistentemente esse interesse, até porque é uma área que apesar de ter já produzido muitos conhecimentos científicos, existem ainda muitos aspectos de indubitável interesse teórico e aplicado por investigar.
O nosso interesse e curiosidade na área do exercício físico, dos ritmos biológicos e da saúde encaminhou-nos à presença de algumas dúvidas e processos pouco esclarecidos na comunidade científica. De facto, é consensual que o exercício físico moderado e regular pode ter benefícios na imunocompetência dos indivíduos. No entanto, a literatura sobre as consequências desse exercício realizado em horários diferentes tendo em conta o cronotipo (matutinidade/vespertinidade), não é muito esclarecedora.
Assim, esta nossa curiosidade associa-se a um outro estímulo pessoal que pode assumir uma importância relevante na área da saúde pública, que é a das possíveis implicações práticas da investigação que se realiza. De facto, os resultados deste estudo podem contribuir para uma melhor compreensão dos mecanismos implicados nas respostas imunológicas induzidas pelo exercício e modeladas, ou não, pelo cronotipo. O possível aumento das defesas imunitárias contra agressores biológicos e a prevenção de alguns processos patológicos podem contribuir para a promoção e manutenção da saúde.
Com este estudo pretendemos relacionar a matutinidade versus vespertinidade, o exercício físico moderado e regular e a imunocompetência de estudantes do ensino superior, sedentários e saudáveis.
Para além deste objectivo geral, pretendemos atingir os seguintesobjectivos específicos:
1 – Compreender os mecanismos implicados nas alterações imunológicas induzidas pelo exercício físico;
2 – Conhecer a influência do exercício físico moderado no sistema imunológico em indivíduos “matutinos” e “vespertinos”;
3 – Comparar os efeitos no sistema imunológico do exercício físico moderado realizado no período matinal e no período final da tarde do nictómero em indivíduos “matinais”;
4 – Comparar os efeitos no sistema imunológico do exercício físico moderado realizado no período matinal e no período de tarde do nictómero em indivíduos “vespertinos”.
Perante estes objectivos e tendo em conta as questões de investigação levantadas, as variáveis e a amostra em estudo, decidimos realizar um estudo quasi-experimental com contrabalanceamento parcial.
Neste contexto, decidimos estruturar este livro em duas partes: enquadramento teórico e estudo empírico.
A Parte I, enquadramento teórico, divide-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo intitulado ritmos biológicos introduz a definição do ritmo circadiano, os seus mecanismos de controlo e estruturas anatómicas implicadas na sua regulação. Segue-se uma revisão de estudos sobre ritmos circadianos de diversas variáveis fisiológicas e psicológicas. Depois faz-se referência às diferenças individuais, onde se apresenta uma visão geral das diferenças individuais humanas a nível dos ritmos circadianos, centrando-se na dimensão matutinidade-vespertinidade e na sua relação com diversas variáveis fisiológicas e psicológicas. O segundo capítulo, exercício físico, define e descreve alguns tipos de exercício físico, e apresenta alguns dos benefícios para a saúde dos indivíduos. O terceiro capítulo, o sistema imunitário, apresentam-se diversos aspectos anatómicos e fisiológicos do sistema imunitário. Finalmente, o quarto capítulo, intitulado relação entre cronótipo, exercício físico e imunidade, faz-se uma revisão dos estudos sobre a relação entre estas variáveis, nomeadadamente, entre ritmo circadiano e rendimento desportivo e entre exercício físico e a dimensão matutinidade e vespertinidade.
A Parte II deste livro, inclui o estudo empírico e é constituído por três capítulos: metodologia, resultados e discussão e conclusões.
No primeiro capítulo, metodologia, apresentamos inicialmente a opção metodológica, os objectivos e as hipóteses em estudo, seguida da descrição da amostra e dos respectivos critérios de selecção. O total de participantes que constitui a amostra divide-se em dois grupos: o grupo dos matutinos e o grupo dos vespertinos. De seguida, abordam-se os instrumentos utilizados na recolha de dados. Posteriormente descreve-se o procedimento levado a cabo na selecção da amostra e na recolha de dados. Para terminar o capítulo, descrevemos o tratamento estatístico efectuado.
Os resultados obtidos são apresentados e analisados no segundo capítulo. Neste descrevem-se os resultados das diversas variáveis em estudo, nomeadamente, as variáveis imunológicas, fisiológicas e psicológicas, assim como, as relações existentes entre as variáveis independentes e a variável dependente.
A investigação termina com o terceiro capítulo, onde se resume e discute os resultados obtidos, enumeram-se uma série de conclusões e apresentam-se algumas recomendações/sugestões práticas.