ISBN: 972-8485-51-1
Autor: Manuel Augusto Duarte Mariz
Nº de Páginas: 130
Formato: 15 X 21 cm
Editora: Formasau
Ano de edição: 2005
Gostaria que este prefácio funcionasse para os leitores como um suave aperitivo que estimulasse a leitura deste livro. Expresso este desejo porque entendo que se trata de um livro que aborda uma temática de grande actualidade e interesse – o consentimento informado -, de um modo cientificamente correcto e servido por uma escrita agradável.
Este livro resultou do trabalho desenvolvido pelo autor e que serviu de base à sua tese de mestrado, que tive o prazer e a honra de orientar e que a Sinais Vitais se propôs editar. Conjugaram-se assim um conjunto diversificados de esforços e de vontades, destacando as do autor, no sentido de dar à estampa mais um contributo para o debate dos cuidados de saúde em geral e da enfermagem em particular.
Assim, penso que estamos perante um livro que pode servir como manual de estudo para os estudantes da formação inicial, mas também de grande utilidade a qualquer profissional de saúde que queira reflectir sobre este assunto.
A problemática do consentimento informado é frequentemente apresentada como estando associada a actos médicos invasivos, nomeadamente os de natureza cirúrgica. Esta é a perspectiva dominante, quer na bibliografia, quer nas intervenções dos diversos especialistas nestas áreas. Assim, é lícito que se coloque a questão, se está associado actos médicos, o que é que os enfermeiros e os outros profissionais da saúde, têm a ver com isso? Para tentarmos responder a esta questão propomos um olhar em direcções diversas.
Se optarmos por olhar para os instrumentos de natureza jurídico-legal que se têm produzido, quer a nível internacional, quer nacional, cons-tatamos que o consentimento informado é um conceito mais vasto, não tendo a ver apenas com os procedimentos médicos invasivos, mas antes com todas as decisões inerentes à vida e à saúde das pessoas. É disso exemplo, entre outras, a Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina, tal como é explicado mais à frente neste livro.
Por sua vez, se olharmos para a realidade dos cuidados, podemos constatar duas realidades distintas e até antagónicas. Uma que podemos caracterizar genericamente como encarando o consentimento informado como um acto de natureza burocrático administrativo. Nesta realidade o consentimento informado é reduzido a um acto. O médico pode ou não participar e os outros profissionais, nos quais se inclui o enfermeiro, participam na salvaguarda da organização e como elementos de uma cadeia burocrática que tem como função recolher a assinatura do utente a autorizar determinado acto, normalmente de natureza médica.
Felizmente existem outras realidades para além desta. Nessas outras, o conceito de consentimento informado é entendido como um direito do doente, sendo criadas as condições para que ele se possa concretizar. Nestes contextos, todos os profissionais de saúde têm um papel, porque sendo um direito do doente relativo a qualquer decisão inerente à vida ou à saúde, passa a ser dever de todos os profissionais criarem condições para a sua efectivação.
Este último foi, no meu entender, o contexto que o autor deste livro teve oportunidade de ajudar a construir, enquanto prestador de cuidados e responsável por um serviço de internamento num hospital central. Aliás, diga-se de passagem que dá gosto ouvi-lo falar sobre essa sua experiência. Pena é que a mesma não tenha ainda sido sujeita a registo escrito, para reflexão e para percebermos o quanto de bom se vai fazendo. Apesar disso, parece-me ter sido esta a experiência que despoletou no autor a necessidade de reflectir mais sobre esta problemática. E este é, no meu entender, o primeiro mérito do trabalho que aqui se apresenta. Este tem a ver com o facto de a partir de uma experiência concreta se partir para o seu questionamento e teorização. Sendo a enfermagem uma profissão e disciplina em construção, tem necessidade absoluta deste tipo de contributos. Estes funcionam como os tijolos com base nos quais se vai construindo o edifico sempre inacabado da disciplina/profissão de enfermagem.
Este trabalho tem também o mérito de relevar uma dimensão pouco desenvolvida quando se fala do consentimento informado. Refiro-me à perspectiva de quem tem que o dar, ou seja, o utente dos serviços de saúde. De facto é curioso constatar que sendo o consentimento informado encarado, antes de mais, como um direito das pessoas, tenha sido essencialmente desenvolvido na perspectiva dos profissionais e das organizações. Quase como se aquele direito fosse uma generosa concessão dos profissionais. Pois bem o trabalho do Manuel Mariz coloca como protagonistas principais as pessoas que são utentes dos cuidados de saúde. Porque é que isto é um mérito? Bem, porque recoloca o problema na sua formulação adequada, mas também porque dá voz àqueles que devendo ser os que mais a deviam ter, são os que menos espaço, àqueles que sofrem na pele o resultado das decisões que em nome deles foram tomadas.
Ao adoptar esta perspectiva o autor descobriu dimensões novas deste \\\"velho\\\" conceito. Destas vou destacar apenas algumas, deixando ao leitor o prazer de descobrir as restantes aquando da leitura deste livro. Assim, é curioso verificar que, de facto, os utentes entendem o consentimento informado como um processo e não como um momento. Neste processo sobressaem variáveis como, espaço de liberdade e de segurança, se houver a preocupação por parte dos profissionais em criar um contexto relacional que o propicie. Neste contexto relacional os utentes sentem-se de tal forma protegidos que o acto formal do consentimento informado, normalmente traduzido na assinatura de um documento, não passa de um acto irrelevante, até talvez dispensável, dado o grau de confiança que se atingiu. Este contexto relacional de que falo tem a dimensão da cultura de um serviço, envolvendo todos os seus profissionais em objectivos partilhados e onde o bem-estar do utente ocupa a centralidade das preocupações.
Quando aqueles pressupostos não se verificam, sobressaem pelo contrário sentimentos de falta de poder, aceitação com resignação e postura passiva. Neste contexto, o acto formal do consentimento informado funciona como intimidativo, ameaçador e atentatório da dignidade das pessoas.
Para concluir este aperitivo, que enquanto tal se quer breve, resta-me elogiar a honestidade intelectual e a filosofia do trabalho adoptada pelo autor, que é tanto mais importante quanto é verdade que cada vez é mais fácil o plágio, a artimanha, em suma, o facilitismo.
Prefácio: Manuel José Lopes