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Revista Sinais Vitais nº86

Setembro 2009

 

 

 

 

Revista Sinais Vitais nº 86 - Setembro 2009

 

 

Sumário

Editorial

Pensar os cuidados de enfermagem domiciliários

Actualidades

Vida sexual precoce é genética?

Chuveiros escondem bactéria que causa doenças respiratórias

Estudo detecta vírus que pode ser causa de cancro da próstata

Viver sozinho na meia idade agrava risco de alzheimer

Cerimónias de vinculação à profissão

Entrevista

Berta augusto | “RNCCI virá a ser a melhor resposta de saúde e de apoio social”

Ciência e técnica

Reeducação funcional respiratória no doente transplantado hepático com derrame pleural

Vivências

Experiência na equipa de gestão de altas no chaa - unidade de fafe

Ciência e técnica

Idosos dependentes. Imp acte positivo do cuidar na perspectiva da família

Ciência e técnica

Promoção da saúde no idoso. A avaliação do risco de úlceras de pressão II

Ciência e técnica

Viver depois de um avc. Contributos da enfermagem de reabilitação

Ciência e técnica

Escala de braden para avaliação do risco de úlcera de pressão. Porquê?

O essencial sobre...

Limpeza de feridas. Reflexão para mudança de práticas

Ciência e técnica

Viver em casa com a família após um episódio de doença. Um contributo do SMFR dos HUC

 

EDITORIAL
PENSAR OS CUIDADOS DE ENFERMAGEM DOMICILIÁRIOS

Carlos Margato , Enfermeiro
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919 893 336

No projecto da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados está bem definida a criação de Equipas de Cuidados Continuados Domiciliários (ED), como complemento essencial da Rede. É possível que os Enfermeiros Chefes dos Centros de Saúde e seus colaboradores já se tenham interrogado sobre as necessidades em saúde da população que possam obter a resposta ajustada nesta equipa. Mesmo assim e porque estes exercícios podem ser úteis interrogo-me sobre os seguintes aspectos:

Estão identificadas as pessoas • idosas da área de abrangência de cada Centro Saúde que precisam de cuidados no domicílio, assim como a natureza dos problemas de saúde que lhes são colocados?

• Estamos a planear os cuidados de enfermagem, nomeadamente os recursos humanos, técnicos e conhecimento para criarmos equipas domiciliarias eficazes na resposta as necessidades identificadas e assim permitir a permanência da pessoa idosa no domicílio?

• Que resultados são esperados destes cuidados? Refiro-me a possibilidade das pessoas disporem de profissionais que proporcionam as actividades de manutenção e de estimulação das capacidades de viver no domicílio. Estão previstos os indicadores de bem-estar dos doentes e famílias assim como o impacto económico deste serviço?

• E os cuidadores, famílias e outros prestadores? Como vão ser integrados? Como lhe vai ser disponibilizada a informação e treino para desenvolverem o seu papel? Qual o que impacto deste serviço na estrutura das famílias e como vamos facilitar esta dinâmica?

• Quais as consequências económicas?

• Como promover o interesse da sociedade nos cuidados de manutenção de vida?

O propósito deste editorial é convosco reflectir sobre estas interrogações.

Quanto à primeira de natureza epidemiológica é essencial. É necessária a representação demográfica local das pessoas que se situam naquela área urbana ou rural, a identificação dos factores de isolamento que interferem na manutenção ou não das actividades indispensáveis à vida (proximidade ou não do comercio e possibilidade de aí se deslocarem; facilidades oferecidas ou não pela habitação), a identificação da rede de relação afectiva em função da existência ou não de pessoas próximas (filhos, vizinhos), assim como a natureza das relações mantidas. Também o modo de vida deve preocupar pois há uma diminuição gradual da capacidade de autonomia das pessoas idosas. No futuro os nossos idosos serão mais dependentes, biológica e sociologicamente o que implica uma maior necessidade de apoio. Resolver os problemas que se colocam às pessoas idosas, encontrando o sentido original dos cuidados cuja principal finalidade é continuar a estimular e mobilizar o que resta das capacidades vitais e permitir a permanência da pessoa idosa no domicílio é um dos aspectos nucleares que exige tempo e disponibilidade, saber, experiência, intencionalidade e uso de conhecimento avançado.

A intervenção domiciliária de natureza medicalizada (ainda razão maior da intervenção dos enfermeiros no domicílio das pessoas) apenas traz uma substituição biológica ao organismo, não podendo em nenhuma circunstância substituir a promoção e o desenvolvimento de estratégias de autocuidado. Permitir assegurar a continuidade da vida de alguém que, por razões de idade ou de doença, não o pode fazer por si só, exige conhecer o que deve ser compensado, o que é necessário ajudar a manter, sabendo porque e o que deve ser adaptado e ensinado.

As grelhas de avaliação da dependência fornecem normalmente informação útil mas insuficiente. É necessário fazer uma análise da história de vida da pessoa, em relação à natureza das suas dificuldades funcionais, causadas pela idade ou pela doença tendo em conta o ambiente social e a habitação. É à volta destes três parâmetros que é possível identificar o que uma pessoa idosa pode fazer só, pode fazer com ajuda e o que não pode nem deve fazer.

A partir desta avaliação orienta-se o modo de ajuda que permita ultrapassar as dificuldades (ajuda de segunda pessoa, ajuda de profissional, adaptações do edifício, ajuda técnica, entre outros). Esta análise também nos terá que dar indicações dos limites a ter em conta, tanto para as pessoas idosas como para a família ou para os prestadores de cuidados. São estes pontos de referência, revelados pela análise elaborada pela pessoa idosa e sua família em ligação com o médico, que servem de base a uma avaliação dinâmica do projecto de cuidados para o reajustar ou manter, em função das mudanças ocorridas, das reacções, da progressão, ou da diminuição das capacidades e da proximidade da morte. A utilização deste método de análise para situar a contribuição dos cuidados para a manutenção no domicílio de pessoas idosas permite, a partir de análises individuais, determinar as necessidades de ajuda a prestar pelos cuidados para um serviço de apoio domiciliário, revelando os factores dominantes da representatividade demográfica da população idosa abrangida, em relação com as deficiências funcionais mais frequentes (amputados, artroses dos joelhos e ancas, próteses, sequelas de AVC, dificuldades respiratórias e cardíacas, entre outras) e em ligação com os factores dominantes do meio ambiente.

É necessário, no que respeita aos familiares e aos próximos, identificar quais as dificuldades que apresentam e as suas intenções, a fim de elaborar, com eles, o projecto de cuidados que permite a manutenção do idoso no domicílio.

Um outro aspecto não menos importante é o papel dos cuidados institucionais directamente ligados ao apoio domiciliário a pessoas idosas. Este trabalho deve ser monitorizado pela ED e identificado como uma actividade onde é necessário utilizar recursos.

Quanto às consequências económicas deste tipo de acompanhamento teremos que propor dados nacionais que nos permitam avaliar o seu impacto. Já se começa a perceber que estes cuidados são caros. No entanto, o cálculo da rentabilidade a curto prazo ao mais baixo preço pode pagar-se mais caro do que parece, tanto mais que as análises económicas fazem-se no aqui e agora e raramente numa visão que situe o benefício dos cuidados num tempo determinado. Diminuir o preço dos cuidados ao avaliar o seu custo à tarefa em vez de analisar as incidências em termos de capacidades mantidas, ou mesmo reencontradas, ao longo de várias semanas ou de vários meses, é economicamente mais dispendioso em pessoal qualificado mas, de facto, menos dispendioso em tempo e em multiplicação de meios muitas vezes inúteis ou mesmo prejudiciais.

Há por isso necessidade do coordenador da Equipa Domiciliária orientar os seus colaboradores para tornar visível o trabalho que desenvolvem. Torna-lo visível através da produção de indicadores de processo e de resultado relacionados com o trabalho com as pessoas e com as famílias na promoção de autocuidado, com o trabalho na aceitação do estado de saúde e na adesão, com o trabalho na gestão do regime terapêutico, na prevenção de complicações (úlceras de pressão, quedas, infecções contraídas na comunidade…), na preservação da espiritualidade, na diminuição das barreiras arquitectónicas, entre outros. Na avaliação das necessidades em horas de cuidados é necessário planear tempo para contacto com a pessoa (em média uma hora por contacto), tempo de contacto com outras pessoas implicadas (médico, equipa de acompanhamento de cuidados básicos…) e um tempo para elaboração e reajustamento de projectos de cuidados.

É para além do mais necessário criar lóbi e fazer interessar a sociedade, através da comunicação social e através da demonstração de resultados, sobre a necessidade de criar respostas no domicílio em termos de cuidados de manutenção de vida da pessoa idosa, a fim de:

Concretizar a diferença entre a simples execução de tarefas de higiene, alimentação e tratamentos medicalizados e uma acção de cuidar que acompanha a pessoa idosa e os que a rodeiam;

• Reconhcer o valor social e económico de todos os cuidados da vida quotidiana, que são ignorados, menosprezados e até mesmo objecto de vergonha, o que tem um efeito de desqualificar o trabalho dos prestadores de cuidados;

• De que seja compensada a carga afectiva dos cuidados sobre os que os prestam.

O futuro dos cuidados domiciliários que permitam a permanência da pessoa idosa no domicílio é objecto de um grande desafio social, económico e político e são os enfermeiros o grupo profissional que está melhor preparado para os dispensar.

Este número 86 da Revista é dedicado aos Cuidados Continuados. Não a uma análise do que são e do papel que desempenha a REDE na sociedade portuguesa mas a alguns focos de atenção essenciais no atendimento às pessoas com necessidade de internamento de curta ou longa duração. De salientar uma preocupação, já evidente nos discursos e na escrita, com os resultados relacionados com os cuidados prestados.

Uma última nota para o FÓRUM DESAFIOS EM ENFERMAGEM deste ano. Vai-se realizar na Sede da Formasau, no Parque Empresarial de Eiras em Coimbra e com ele pretende-se analisar e discutir algumas áreas onde a enfermagem faz a diferença. Veja o Programa nas últimas páginas da sua Sinais Vitais.

Boas leituras.