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Fórum – Contenções físicas

 

A Revista Sinais Vitais vai, a partir deste número, utilizar este espaço para incentivar o debate ou a reflexão sobre temas de importância para a enfermagem. Chamámos-lhe FÓRUM TEMÁTICO e é o que pretendemos que seja. Em cada número convidaremos enfermeiros para através da sua escrita reflectirem sobre um qualquer aspecto dos cuidados de saúde que se entenda dever ser debatido entre os enfermeiros.
 

 

No passado mês de Maio a DGS através da normativa nº 08/DSPSM/DSPCS regulamenta a aplicação de contenções físicas nos doentes agitados, convidámos 4 enfermeiros com experiência e opinião sobre o assunto e é o resultado da reflexão de cada um que espelhamos nesta rubrica que aqui iniciamos.

 

A circular normativa nº 08/DSPSM/DSPCS de 25 de Maio de 2007 pode ser analisada segundo vários planos, entre eles, a sua necessidade, a sua utilidade, o seu conteúdo e a forma como “aparece”.

 

1. Haveria necessidade duma circular normativa sobre medidas preventivas de comportamentos agressivos / violentos de doentes – contenção física? Julgamos que sim. A prática de contenção física nas nossas instituições de saúde é relativamente comum. Pensamos que na maioria dos casos claramente justificada. Mas, admitindo que haveria uma minoria em que assim não fosse, uma circular pode ajudar a consciencializar todos os técnicos para a importância, sensibilidade e perigosidade deste acto. De facto, Mohr, Petti e Mohr (2003) num artigo de meta-análise relatam incidentes ocorridos com doentes em contenção: morte por asfixia, morte por aspiração, fractura ao nível do tórax, aumento súbito da produção de catecolaminas com repercussões ao nível cardíaco, potencialização dos efeitos secundários da medicação com psicotrópicos, embolias pulmonares e graves efeitos psicológicos. Aqui julgamos que a circular poderia ter sido mais pedagógica na sua introdução e posteriormente na fundamentação.

 

2. Quanto à utilidade, a existência duma circular pode ajudar a uniformizar critérios e técnicas de contenção, incentivar a discussão em torno dos direitos do doente, da responsabilidade dos técnicos de saúde, mas sobretudo das formas de prevenção, a identificação de factor (es) precipitante (s) interno (s) e/ou externo (s), os meios (in) existentes, as características do espaço, o acompanhamento necessário para intervir preventivamente. Estudos recentes mostram a eficácia da dinamização desta discussão na redução de estratégias de isolamento / contenção (Pollard, Yanasak, Rogers & Tapp, 2007). Também por isso julgamos que esta circular é bem-vinda.

 

Mas estarão os serviços / gestores disponíveis para essa discussão e adaptação para que a “evolução positiva das últimas décadas” se mantenha e se reforce? A afirmação de que “é fundamental que as instituições estejam dotadas de pessoal suficiente e com competências técnicas específicas, de forma a garantir a qualidade dos cuidados, nomeadamente enfermeiros, para acompanhar com segurança os doentes …” parece-nos importante. Um ratio correcto enfermeiro / doente diminuiria a probabilidade de episódios de agressividade e violência pelo doente e as agressões a “outros” incluindo os técnicos de saúde!

 

3. Relativamente ao seu conteúdo, gostaríamos de ter visto mais ênfase na prevenção das medidas de contenção. Destacar as técnicas comunicacionais parece ser relevante para os enfermeiros, reforçando a importância desta temática na formação graduada, pós-graduada e ao longo da vida. Pensamos que os enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica poderão ter um papel relevante como formadores para uma melhor identificação do doente, melhor gestão do stresse e ansiedade, treino da equipa na intervenção em crise, desenvolvimento duma equipa de intervenção em crise e discussão assídua e aprofundada da situação dos doentes em contenção ou isolamento. Noutros contextos medidas similares acompanhadas por um sistema de incentivos para a equipa de saúde permitiram uma diminuição acentuada nas medidas de contenção, sem o aumento de outros incidentes (McCue, Urcuyo, Lilu, Tobias & Chambers, 2004).

 

4. Desconhecendo a forma como esta circular foi discutida, como foram envolvidos os representantes dos cidadãos, os técnicos, as suas organizações representativas quer no momento da elaboração quer na sua redacção final e aprovação, parece-nos claro que a saída da circular sem o compromisso de maior envolvimento na formação, treino e desenvolvimento de estudos em torno das condições de internamento, não produzirá os efeitos desejáveis: melhor segurança e diminuição do número de contenções físicas e redução da duração das mesmas. A saída de legislação somente não será suficiente, como o confirmou um estudo recente na Finlândia, onde 15 anos após a saída de legislação nesta matéria o risco de se recorrer ao isolamento ou à contenção física não diminuiu (Keski-Valkama, Sailas, Eronen, Koivisto, Lonnqvist & Kaltiala Heino, 2007). Por outro lado, a discussão de normas mais pormenorizadas, com inclusão de medidas dissuasoras, metas e objectivos poderia ser sinónimo de maior participação / problematização / discussão desta temática. A Associação Americana de Enfermeiros de Psiquiatria aprovou recentemente (26 de Maio de 2007) a revisão das normas publicadas em 2000. Envolveu diversos fóruns de discussão, com inúmeros enfermeiros, com um painel de experts, tendo posteriormente o relatório final sido aprovado pelos órgãos sociais da associação. Mobilizou, consciencializou, formou. Certamente os doentes colherão os frutos. E por cá, como foi feito?

 

Embora não havendo evidências científicas da eficácia terapêutica desta intervenção, verificamos que a intervenção permite interromper e controlar o comportamento violento do indivíduo (Walsh & Randell, 1995). Por outro lado, alguma imprevisibilidade pode acompanhar este tipo de comportamentos agressivos / violentos.

 

Tornar a contenção física menos comum, menos danosa para o doente, família e técnicos de saúde, de forma a “que a pessoa doente ultrapasse com segurança a situação de crise” será certamente um objectivo de todos. Aguardemos os dados do registo nacional na Direcção Geral de Saúde.

 

José Carlos Santos

 

 Bibliografia

 

Keski-Valkama, A., Sailas, E.; Eronen, M.; Koivisto, A.; Lonnqvist, J. & Kaltiala-Heino, R. (2007). A 15-year national follow-up: legislation is not enough to reduce the use of seclusion and restraint. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 42(9): 747-752.

 

McCue, R.; Urcuyo, L.; Lilu, Y.; Tobias, T. & Chambers, M. (2004) Reducing restraint use in a public psychiatric inpatient service. The Journal of Behaviour health Services and research, 31(2): 217-224.

 

Mohr, W.; Petti, T. & Mohr, B. (2003). Adverse effects associated with physical restraint. Canadian Journal of Psychiatry, 48(5): 330-337.

 

Pollard, R.; Yanasak, E.; Rogers, S. & Tapp, A. (2007). Organizational and unit factors contributing to reduction in the use of seclusion and restraint procedures on an acute psychiatric inpatient unit. The Psychiatric Quartely, 78(1): 73-81.

 

Walsh, E. & Randell, B. (1995). Seclusion and restraint: what we need to know. Journal of Child and Adolescent Psychiatric Nursing, 8(1): 28-40..