Revista Investigação Enfermagem nº23 Fevereiro de 2011 |
EDITORIAL: O QUE MOVIA NIGHTINGALE?
Paulo Joaquim Pina Queirós
EFEITO DA VARIÁVEL PREPARAÇÃO PARA O PARTO NA ANTECIPAÇÃO DO PARTO PELA GRÁVIDA: ESTUDO COMPARATIVO
THE EFFECT OF THE VARIABLE “PREPARATION FOR CHILDBIRTH” AT “ANTICIPATING CHILDBIRTH EXPERIENCE” OF PREGNANT WOMEN: COMPARATIVE STUDY
Carla Manuela Lino Morgado; Carla Olívia Costa Pacheco; Cília Mirene Simões Belém; Maria de Fátima Correia Nogueira
PREPARAÇÃO PARA O PARTO: PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE ENFERMAGEM
CHILDBIRTH PREPARATION: NURSING TEATCHERS PERCEPTIONS
Germano Couto
OLHAR OS OLHOS DO PREMATURO… ROP! EXPERIÊNCIA DA UCINP
LOOK AT THE EYES OF PREMATURE... ROP! EXPERIENCE OF UCINP
Andrea Oliveira; Helena Nascimento; José Manuel Monteiro; Raquel Neves
CARACTERIZAÇÃO DO ESTADO PONDERAL, HÁBITOS ALIMENTARES E ACTIVIDADE FÍSICA EM CRIANÇAS DE IDADE PRÉ-ESCOLAR
CHARACTERIZATION OF STATE WEIGHT, EATING HABITS AND PHYSICAL ACTIVITY IN CHILDREN OF PRESCHOOL AGE
Maria Teresa Loureiro Martins
EFECTIVIDADE DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: CRENÇAS E COMPORTAMENTOS DOS ADOLESCENTES FACE AO ÁLCOOL
EFFECTIVENESS OF HEALTH EDUCATION: BELIEFS AND BEHAVIORS OF ADOLESCENTS COMPARED TO ALCOHOL
Fernanda Alves; Sónia Carvalho
EFEITO DE UM PROGRAMA COMPREENSIVO DE BASE INSTITUCIONAL PARA MODIFICAÇÃO DOS HÁBITOS DE VIDA, NOMEADAMENTE, OS HÁBITOS ALIMENTARES E DE ACTIVIDADE FÍSICA EM UTENTES ALCOÓLICOSRESULT OF A COMPREHENSIVE PROGRAM OF INSTITUTIONAL BASE TO MODIFY LIFE HABITS, SPECIALLY, THE ALIMENTARY AND PHYSICAL ACTIVITY HABITS IN ALCOHOLIC PATIENTS
Hélder Bruno da Fonseca Gomes; Leonor Mata Correia
A QUALIDADE DE VIDA DOS DOENTES TOXICODEPENDENTES EM PROGRAMA DE SUBSTITUIÇÃO COM METADONA NO ALGARVE: UM ESTUDO COMPARATIVO DA SUA SITUAÇÃO EM 2003 E 2008
DRUG ADDICTS PATIENTS QUALITY OF LIFE IN METHADONE MAINTENANCE TREATMENT PROGRAMS IN ALGARVE: A COMPARATIVE STUDY OF THEIR SITUATION IN 2003 AND 2008
Nuno Álvaro Caneca Murcho; Paula Maria Coimbra Pereira
PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NOS CUIDADOS AO UTENTE INTERNADO NUM SERVIÇO DE ORTOPEDIA: CONTRIBUTOS PARA MELHORAR A COMUNICAÇÃO E A QUALIDADE DOS CUIDADOS AO UTENTE.
FAMILY PARTICIPATION IN CARING THE PATIENTS HOSPITALIZED IN ORTHOPEDIC SERVICE. CONTRIBUTIONS TO IMPROVE COMMUNICATION AND QUALITY OF CARE TO THE PATIENT
Isabel Maria Lopes Martins Nunes
PROCESSO DE LUTO EM IDOSOS. ESTUDO EXPLORATÓRIO DE UM MODELO DE INTERVENÇÃO
BEREAVEMENT IN THE ELDERLY. EXPLORATORY STUDY OF AN INTERVENTION MODEL
Ana Margarida Lucas; Liliana Pereira Rodrigues; Susana Correia; Maria Clara Graça Lopes; José Carlos Santos
EDITORIAL
O QUE MOVIA NIGHTINGALE?
“Por que razão testemunham as mulheres paixão, intelecto, actividade moral (…) e têm afinal um lugar na sociedade onde nada disso pode ser aproveitado? (…) Tenho necessidade de aspirar a uma vida melhor para as mulheres”.(1)
Esta afirmação foi produzida em 1859 por Florence Nightingale, consta nas suas Suggestions for Thought to Searchers after Religious Truth, e exprime um claro compromisso social.
Durante o ano 2010 comemoramos, um pouco por todo o lado, o centenário do desaparecimento de Nightingale (1820-1910). Foi enfatizada a sua importância, a natureza do seu pensamento e da sua obra, o seu pioneirismo, a sua força e a sua iniciativa que permitiu que seja considerada um marco para a enfermagem, mas cuja obra e acção ultrapassa reconhecidamente o seu âmbito. Mas o que movia Florence Nightingale?
Raramente personalidades desta importância são fruto do acaso. É comum em pessoas que deixam marca, como Nightingale, a existência de um quadro motivacional organizado em valores e visões do mundo, suficientemente fortes, para se tornarem num programa de vida.
Nightingale é mulher, nas circunstâncias do seu meio - Inglaterra protestante e vitoriana, no seu estrato social, viajada, atenta, porque inteligente; preocupada, porque mulher de valores; empenhada por “dever social”.
Programa Social Protestante – “Os deveres sociais”
Em 1849, no retorno da viajem cultural pela Grécia e Egipto, Nightingale, passa pela Alemanha, mais precisamente em Kaiserswerth onde visita o pastor Luterano Theodor Fliedner. (2)
Fliedner é, nem mais nem menos, o fundador da primeira Casa das Diaconisas. Quem são as diaconisas? “As diaconisas nasceram da vitalidade social manifestada pelo pietismo protestante, sobretudo germânico. A sua origem resulta da Sociedade de Senhoras para cuidar dos pobres e dos doentes, criada por Amalie Sieveking (1794-1859), filha de um senador de Hamburgo.” (3)
Há quem veja o movimento das diaconisas a surgir das críticas que os católicos dirigiam aos protestantes. Sulzer, católico, crítico do protestantismo escrevia: “A caridade, essa flor celeste, não pode crescer no terreno seco e arenoso da Igreja protestante” (4). O certo é que a Igreja católica contava com ordens religiosas que se encarregavam do trabalho social com os pobres. “No protestantismo, a criaçãodo ministério de diaconisas surge também da possibilidade de as mulheres realizarem uma prática social caritativa”.(5)
Segundo Jean Baubérot no capitulo “Da mulher protestante” da obra “História das Mulheres” dirigida por Duby, Perrot e Fraisse (este último para o volume do séc. XIX), a Casa de Kaiserswerth acolhia ”noviças” de outros estabelecimentos. O Pastor Fliedner descrevia assim a estadia que elas aí cumpriam: “Pensamos que a melhor formação das irmãs consiste em fazer estágios em todos os estados dos doentes, bem como no lar, mas sem esquecer a instrução técnica ministrada por um médico, a instrução na cura da alma ministrada por mim próprio e os cuidados a prestar ao corpo ensinados pela minha mulher.”(6)
Florence Nightingale, após a primeira visita a Kaiserswerth, “regressou para receber o treino de enfermagem, revelando-se uma pupila com excelentes capacidades, o que motivou o Pastor Fliedner a sugerir-lhe a publicação de um relatório acerca da vida em Kaiserswerth”. A obra surge em 1851 com o título: “The Institution of Kaiserswerth on the Rine, for the practical training of deaconesses, under the direction of Rev. Pastor Fliender, embracing the support and care of a hospital, infant and industrial schools, and a female penitentiary”.(7)
O movimento das diaconisas surge como resposta ao assistencialismo católico organizado em ordens religiosas – “existem semelhanças entre o estatuto de diaconisa e o de religiosa de uma ordem de caridade”. (8) Até na posição em relação ao casamento e ao celibato, no vestuário (hábito) e na organização das Casas, hierarquizadas como os mosteiros (irmã superiora). Este movimento não reúne consenso no heterogéneo mundo protestante. Afasta-se da visão protestante clássica da vida cristã, para a qual a devoção por amor não implica uma forma de vida específica. Para alguns lembra “os conventos criados na Idade Média e abolidos por Lutero”.(9)
O Feminismo Protestante – “Obra civilizadora”
Retomando a primeira frase transcrita em epígrafe, percebemo-la com mais facilidade, quando consciencializamos que Florence Nightingale é protestante. Ora as “as mulheres protestantes atrevem-se a interpretar a Bíblia e, apoiando-se nela, questionam o lugar atribuído à mulher, defendendo a sua igualdade com o homem” (10). Ao tempo esta postura é um desafio e um desafio promissor.
O “feminismo protestante” assume importância marcada na história da emancipação das mulheres. Esse impulso contribui para um reposicionamento da mulher na sociedade, sobretudo nos países anglo-saxónicos.
O debate, masculino/feminino, envolvendo algumas teólogas (note-se no feminino) exprime-se na criação de uma exegese feminista da Bíblia, por vezes com algum radicalismo bem patente por exemplo nas afirmações de Eugénie Niboyet:
“Eva foi criada a partir da costela de Adão? Ora essa costela é uma matéria humana, um material mais nobre do que a argila, o pó da terra de que Deus se serviu para criar o primeiro homem. Nesse momento será invocada a ordem da criação: o homem é levado à existência em primeiro lugar, a mulher em seguida. Mas, precisamente, essa ordem manifesta uma progressão: os monstros marinhos, os animais, o homem, por fim a mulher e nada acima dela. Quando Eva foi criada, a criação tinha atingido a sua inteira plenitude e Deus podia repousar ao sétimo dia.” (11)
as mulheres das classes baixas, advoga que as mulheres das classes elevadas não devem mostrar-se “indolentes” nem “maquilhar-se até se desfearem” para esconder algumas rugas precoces, mas cumprir “deveres sociais” que são, tanto quanto as fórmulas de oração geral, as marcas da “verdadeira piedade”.
“Esta consciência de ter «deveres sociais» impregna a senhora da obra protestante do século XIX. De um conjunto de fundadoras de obras de alcance local, regional ou mesmo nacional, emergem grandes figuras femininas com influência internacional, como Josephine Butler, que se ocupa das prostitutas, Elisabeth Fry, reformadora da condição penitenciária, e Florence Nightingale, que organiza a profissão de enfermeira”.(12)
Não restam dúvidas que Florence Nightingale foi uma mulher do seu meio nas suas circunstâncias ao qual não foi estranho o programa social religioso de um grupo especifico do protestantismo – as diaconisas, acompanhando, inserindo-se e contribuindo para o movimento feminista protestante. Não nos esqueçamos que “a missão de «salvar o mundo», profundamente ancorada na tradição evangélica, toma para certas feministas a forma de uma obra civilizadora”.(13)
Continuemos
Paulo Joaquim Pina Queirós
Notas:
1 – Käppeli, Anne-Marie: “Cenas Feministas” in Duby, G.; Perrot, M (1994): - História das Mulheres. O Século XIX. Porto: Edições Afrontamento, p. 560
2 – Lopes, L.; Santos S (2010): - Florence Nightingale – Apontamentos sobre a fundadora da Enfermagem Moderna. Revista de Enfermagem Referência, III Série . nº 2 Dez.
3; 4; 5; 6 – Baubérot, Jean: “Da mulher protestante” in Duby, G.; Perrot, M (1994): - História das Mulheres. O Século XIX. Porto: Edições Afrontamento, 244-246
7 – Lopes, L.; Santos S (2010): - Florence Nightingale – Apontamentos sobre a fundadora da Enfermagem Moderna. Revista de Enfermagem Referência, III Série . nº 2 Dez
8; 9; 10; 11; 12 – Baubérot, Jean: “Da mulher protestante” in Duby, G.; Perrot, M (1994): - História das Mulheres. O Século XIX. Porto: Edições Afrontamento, 246 -250
13 - Käppeli, Anne-Marie: “Cenas Feministas” in Duby, G.; Perrot, M (1994): - História das Mulheres. O Século XIX. Porto: Edições Afrontamento, p. 560