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Revista Investigação Enfermagem nº25

 

 

 

EDITORIAL

TEORIA DA ENFERMAGEM, PRECISA-SE
Paulo Joaquim Pina Queirós


ACTIVIDADE FÍSICA E AUTONOMIA INSTRUMENTAL DAS PESSOAS IDOSAS
Tânia Cristina Mendes Faria


INDICADORES DE QUALIDADE EM LARES PARA IDOSOS
Telmo Aleixo; Ana Escoval; César Fonseca


A VIDA APÓS O TRANSPLANTE O COPING E A VULNERABILIDADE AO STRESS NO INDIVÍDUO TRANSPLANTADO RENAL
Tânia Catarina Saraiva Oliveira; Paulo Joaquim Pina Queirós


TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO DE UM QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DA LITERACIA EM SAÚDE MENTAL
Luís Loureiro; Ana Pedreiro; Susana Correia


INTERVENÇÃO EDUCATIVA JUNTO DE UM GRUPO DE ENFERMEIROS DE UM SERVIÇO DE MEDICINA. IMPACTO NA PRÁTICA DA TERAPÊUTICA INALATÓRIA
Maria do Carmo Oliveira Cordeiro


ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO DA ESCALA DAS CAPACIDADES DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL (EVB-CIE) EM ENFERMEIROS
Carlos Vilela ; Margarida Filipe


PREVALÊNCIA DE DORES NAS COSTA S E FACTORES DE RISCO ASSOCIADOS, DE ESTUDANTES DE ENFERMAGEM
Arménio Cruz; Henrique Nunes


A UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DOS GRUPOS FOCAIS NA METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA
Ana Paula Lima Nunes

 

 

EDITORIAL

Teoria da Enfermagem, precisa-se
I
A enfermagem é uma ciência humana prática, como tal a sua finalidade é muito concreta e traduz-se numa actividade que tem de ser aprendida, logo necessita de alguém que a ensine, e a ensine com base em referenciais assente em formas de conhecimento de natureza e proveniência diversa, conhecimento público (baseado em evidencias) e conhecimento privado (desenvolvido por cada um, de iniciado a perito, arte, expertise), no sentido que lhe é dado por Kim (2010)1.
O caracter prático desta forma de conhecimento humano não o inibe de um pensamento teórico sobre si mesmo – metateoria –, e do desenvolvimento de pensamento informante das práticas que sustenta e do qual por sua vez também se alimenta. Pensamento, ou teoria, com diferentes níveis de abstracção, desde o nível da metateoria, às grandes teorias, passando pelas teorias de médio alcance chegando às teorias práticas. Neste sentido a Teoria da Enfermagem engloba o pensamento teórico da enfermagem nos vários níveis referidos.
Walker & Avant, (2011)2 precisam que os diferentes níveis de abstracção correspondentes ao pensamento (teórico) em enfermagem comportam no topo o nível metateorico que clarifica o nível das grandes teorias, a que se segue o nível das teorias de médio alcance que é guiado pelo antecedente e por sua vez dirige o nível das teorias práticas. Em sentido inverso, as teorias práticas testam as teorias de médio alcance, que refinam as grandes teorias, sendo que estas fornecem material para o nível metateorico.
Percebe-se assim a possibilidade da existência de uma entidade, disciplinar, unidade curricular, com a designação de Teoria da Enfermagem, englobando o pensamento teórico nos quatro níveis expostos, a saber e desde logo a metateoria, e as teorias de enfermagem correspondentes aos outros três níveis: grandes teorias, teorias de médio alcance, teorias práticas ou de situação específica (na designação de Meleis, 2012) 3.
Desta forma penso ver clarificada a discussão entre a opção na designação de “teoria da enfermagem” e “teoria de enfermagem”.

II
A Teoria da Enfermagem quando se ocupa da metateoria debruça-se “literalmente sobre a teoria acerca da teoria; não a teoria em si mesmo, mas as preocupações com a natureza e os pressupostos da teoria de enfermagem” (Walker & Avant, 2011)2. Ou, como nos refere ainda Chinn e Kramer (2011) 4 “teoria sobre a natureza da teoria e processos para o seu desenvolvimento”.
A este propósito Meleis (1997) 5 diz-nos que: “o objetivo da metateoria é definir os tipos de teorias a serem gerados, modos pelos quais as teorias são geradas e estratégias pelas quais as teorias são avaliadas. O metateorista é equivalente a um pesquisador metodológico que define e desenvolve projectos, aborda questões no processo de pesquisa, os critérios para a crítica, e as estratégias para a utilização de metodologias mais adequadas e congruentes. Os metateoristas analisam teorias ou criam processos para o desenvolvimento de teoria, mas eles não desenvolvem o conteúdo das teorias.
Quando eles se voltam para o desenvolvimento de conteúdos, eles são considerados teóricos, não metateoricos.”
Meleis (1997) 5 sintetiza afirmando que a “metateoria é a teoria das teorias”. Para Walker & Avant, (2011) 2 o nível da metateoria inclui, mas não está limitado a:
“1) Analisar o propósito e tipo de teoria necessária à enfermagem;
2) Propor e criticar as fontes, os métodos de desenvolvimento da teoria em enfermagem;
3) Propor os critérios mais adequados para avaliar a teoria em enfermagem.”

III
A Teoria da Enfermagem quando se ocupa das grandes teorias, teorias de médio alcance e teorias práticas atende à criação e desenvolvimento do conhecimento (pensamento teórico) transferível para os contextos clínicos, mais concreto, prático, que sustenta a actividade profissional de enfermeiro, permitindo também a sua descrição e leitura dentro de uma linguagem disciplinar.
“A função primária de uma teoria é descrever, explicar, e predizer fenómenos numa disciplina” (King & Fawcett, 1997) 6, e os “fenómenos dentro de uma disciplina são os aspectos que reflectem o domínio ou o território da disciplina” (Meleis, 2012) 3.
A referência a “fenómenos” aponta para uma dimensão concreta. Fenómenos como “descrição ou rótulo dado para descrever uma ideia sobre um acontecimento, uma situação, um processo, um grupo de eventos, ou um grupo de situações” (Meleis, 2012)3.
Poderíamos sustentar que as teorias de enfermagem permitem leituras das práticas clínicas descritas numa linguagem disciplinar através de conceitos, constructos próprios ou emprestados mas com um sentido preciso neste enquadramento. Mas também encontram, descrevem e utilizam conceitos, – próprios ou emprestados de outras disciplinas –, alguns dos quais de uma presença forte e constante, com possibilidades explicativas/interpretativas que os transformam em conceitos operatórios (operativos).
Entre esses conceitos não raro se encontram alguns que dão origem a outras teorias sequenciais ou secundárias mostrando também poder germinativo. Pensamos ser possível defender que conceitos com poder operativo e germinativo tendem a ser conceito  centrais num domínio científico, veja-se no caso da enfermagem a título de exemplo o conceito de autocuidado.
Para Fitzpatrick (1997) 7 “a teoria existe na enfermagem para ajudar os profissionais a providenciarem melhores cuidados de enfermagem”, – acrescentamos nós após leitura de Meleis (2010)8 –, informando e sistematizando as evidências conducentes a terapêuticas de enfermagem facilitadoras dos processos de transição tendo em vista o bem-estar.
As terapêuticas de enfermagem são definidas por Barnard (1980; 1983 apud Meleis 2010)3 como “todas as actividades de enfermagem e acções deliberadas concebidas para cuidar dos clientes de enfermagem”. As transições e o processo de transição, conceito com origem na psicologia com Schlossberg (1981)9, têm sido tratados no âmbito de enfermagem com grande clareza, visão e utilidade (caracter operatório) por Meleis e colaboradores. Bem-estar nas suas múltiplas vertentes, subjectivo, psicológico, social, físico, espiritual, fortemente promissor na clarificação da finalidade dos cuidados (terapêuticas de enfermagem).
Assim sendo, colocaria no caderno de encargos da Teoria da Enfermagem discutir e dar resposta, entre outras, a questões tais como:
– Haverá uma teoria da enfermagem?
– Não é a enfermagem uma disciplina essencialmente prática?
– Como se construi o conhecimento em enfermagem?
– Haverá um conhecimento específico em enfermagem?
– O que caracteriza o conhecimento em enfermagem?
– O que é a enfermagem?
– Quais os conceitos centrais?
– Que finalidades, objectivos e propósitos?
– Serão os domínios suficientemente caracterizadores para garantir a autonomia disciplinar?
– Existem teorias explicativas na enfermagem?
– O que são e como se articulam os modelos de enfermagem neste âmbito?
– Poderá haver conciliação entre contributos de vários modelos/teorias?
– Serão todas as teorias de igual valia?
– Em que medida uma teoria de enfermagem contribui para uma melhor prática?
– Terá alguma utilidade diferenciar o conhecimento em enfermagem de outros domínios?
– Havendo várias teorias e modelos, quais os mais significativos, e qual o critério para o determinar?
– Que ponto da situação pode fazer-se da teoria da enfermagem hoje?
– Quais os principais marcos evolutivos do pensamento teórico em enfermagem?
– Será a enfermagem uma ciência?
– Estarão os objectivos e finalidades desta forma de conhecimento clarificados?
– Que características têm de ter um corpo de conhecimentos para ser uma ciência?
– Haverá suficiente desenvolvimento metodológico em enfermagem para poder ser caracterizado como ciência?
– Quais as metodologias específicas de enfermagem?
– Qual a linguagem específica utilizada neste campo de conhecimento?
– Terá o corpo de conhecimentos – enfermagem- conceitos próprios?
– Qual a necessidade e o contributo das linguagens classificadas?
– Encontramos nas diversas abordagens teóricas conceitos que possam ser considerados
operatórios?
– Os conceitos operatórios desta disciplina poderão surgir das diversas teorias e modelos? E qual a sua utilidade?

V
A organização do que se vai escrevendo e pensando sob a alçada deste chapéu “Teoria da Enfermagem” possibilita sistematizar e abrir pistas para novas questões no propósito de fortalecer a enfermagem como corpo disciplinar específico.
Outras abordagens e designações como seja filosofia da enfermagem, ou epistemologia (da enfermagem) parecem-me de menor valia para este fim concreto, mais dirigidas, focalizadas naquilo que remete para um nível de abstracção mais elevado, mais perto mas não sinónimo de metateoria e por isso menos promissor em termos de organização do pensamento teórico em enfermagem.

A Teoria da Enfermagem nesta perspectiva comporta a existência e um pensamento sobre a enfermagem, sobre a própria estruturação desse pensamento teórico – metateoria, e sobre a dimensão da orientação prática da disciplina traduzida nas teorias de enfermagem  Teorias de enfermagem “definidas como a conceptualização de alguns aspectos da realidade de enfermagem comunicada com o propósito de descrever fenómenos, explicar relações entre fenómenos, predizer consequências ou prescrever cuidados de enfermagem” (Meleis, 2012)3.
Por último, o desenvolvimento da Teoria da Enfermagem dialecticamente a par do desenvolvimento da prática torna possível promover e qualificar, conhecimento e acção, esta actividade humana específica, respondendo a necessidades sociais em expansão, daquilo que se dá pela designação de enfermagem.
O propósito é nobre e o caminho longo.
Continuemos
Paulo Joaquim Pina Queirós

Referências:
1 – Kim, H. S. (2010): - The Nature of Theorical Thinking in Nursing, 3th ed. New York: Springer Publishing Company. (vide Queirós,
P. (2011): - “Enfermagem, Ciência Humana Prática”. Revista Sinais Vitais. Coimbra (97) Julho, pp13-16).
2 – Walker & Avant, (2011): - Strategies for Theory Construction in Nursing. 5th ed. Boston: Prentice Hall.
3 – Meleis, A. I.(2012): - Theoretical Nursing: Development and Progress. 5 th. ed. Pennsylvania: Wolters Kluwer / Lippincott
Williams & Wilkins.
4 – Chinn & Kramer (2011): - Integrated Theory and Knowledge Development in Nursing. 8th ed. St. Louis: Elsevier Mosby
5 – Meleis, A. I.(1997): - Theoretical Nursing: Definitions and Interpretations. In King & Fawcett, (1997): - The Language of Nursing
Theory and Metatheory. Indianapolis: Sigma Theta Tau Internacional. Honor Society of Nursing. Center Nursing Publishing.
6 – King & Fawcett, (1997): - The Language of Nursing Theory and Metatheory. Indianapolis: Sigma Theta Tau Internacional. Honor Society of Nursing. Center Nursing Publishing.
7 – Fitzpatrick (1997): - Nursing Theory and Metatheory. In King & Fawcett, (1997): The Language of Nursing Theory and Metatheory. Indianapolis: Sigma Theta Tau Internacional. Honor Society of Nursing. Center Nursing Publishing.
8 – Meleis, A. I. (2010): - Transitions theory: Middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York:
Springer Publishing Company.
9 – Schlossberg, N.K. (1981). A Model for Analysing Human Adaptation to Transition. Counseling Psychologist. 9 (2). 2-18.